Pesquisa, ensino e extensão no Programa Novos Talentos

Conhecimento, escola e comunidade:: experiências no âmbito do programa novos talentos



e

o andava desempregado pelas ruas da comunidade,

 

quando parou no IF Fluminense,

 

em Quissamã, fez um curso de marcenaria

 

e agora tem seu próprio trabalho.

 

Introdução

 

     As novas tecnologias e mudanças dos arranjos institucionais, assim como a expansão da necessidade de consumo coletivo e a urbanização, redefinem as funções dos diversos espaços econômicos e sociais. Esses fenômenos, frutos do processo de globalização, requerem novos caminhos de gestão local, configurando-se como uma demanda premente. Para muitos, chega a ser uma questão de sobrevivência.

     Nesse panorama, renasce da antiga Escola Técnica (CEFET) o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (com os seus sete dentre os quais o campus de Quissamã, proponente desta experiência), o qual se constitui a partir de uma proposta de melhoria social com políticas voltadas às áreas da educação popular e da produção social mais igualitária.

     Em Quissamã-RJ, os índices de violência são altos. Para reverter esse quadro, com vistas ao desenvolvimento local e social, é fundamental buscar incremento na educação – a começar pelas crianças e jovens. Assim, o Instituto Federal Fluminense – em parceria com o Programa Novos Talentos, da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES) – e a Prefeitura Municipal de Quissamã perceberam o quanto as demandas da comunidade precisam ser contempladas, sendo fundamental investir em cursos de qualificação profissional para alunos carentes na Rede Pública de Educação Básica.

     Este texto articula-se, portanto, em torno da principal questão que emerge do Programa Novos Talentos e sua ligação com o tripé pesquisa, ensino e extensão. No viés extensão, trabalhou-se com a comunidade externa (oriunda da escola pública municipal). No ensino, observou-se a configuração de uma proposta pedagógica diferenciada, que envolvia professor e aluno na Educação Básica, a partir da interdisciplinaridade, visando à formação do “indivíduo trabalhador”. Finalmente, buscou-se com o Novos Talentos uma contribuição à pesquisa, objetivando auxiliar nas discussões sobre a melhoria da qualidade da educação brasileira em uma sociedade globalizada.

     A proposta foi executar o projeto institucional, denominado Qualificar, Trabalhar e Vencer (QT&V), cujo ideário auxiliou na implantação de oficinas de Formação Inicial Continuada (FIC) voltadas para o curso na área de marcenaria. O objetivo do projeto foi o desenvolvimento da cidadania e do uso de tecnologias sociais por meio de duas frentes de ação, sendo a primeira voltada à capacitação teórica e prática desses alunos do ensino básico, enquanto a segunda direciona-se à profissionalização dos educandos e para o empreendedorismo (individual), capaz de impulsioná-los ao primeiro trabalho/emprego.

     Assim, com a necessidade de capacitação da comunidade já demarcada, uniram-se ao projeto subprojetos, todos com aderência à área técnica sinalizada:

 

1) “CONSTRUÇÃO” – disciplinas de Mecânica e Desenho;

2) “EMPREENDEDORISMO” – disciplina de Empreendedorismo;

3) “EXATAS” – disciplinas de Informática e Matemática;

4) “SMS” – disciplinas de Segurança/Saúde e Meio Ambiente;

5) “PRÁTICA” – aulas de Marcenaria, Visitas Técnicas e História Mobiliar.

 

     Compreende-se, portanto, a composição do projeto por subprojetos multissetoriais e interdisciplinares (descritos abaixo), visando à sua maior amplitude e ao impacto na formação pretendida. O curso de nível profissionalizante foi concedido à comunidade quissamaense com escolaridade a partir do 9º ano do Ensino Fundamental, com uma educação inclusiva e continuada por meio de oficinas (sistema de atividades extracurriculares), as quais se transformaram em fatores determinantes para uma melhor qualidade de vida dos cidadãos, auxiliando na geração de emprego, renda e na qualificação do Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

     Um grupo de pesquisadores, sediados no Instituto Federal Fluminense (IFF), propôs formação para jovens adultos por meio do uso de um laboratório da escola de marcenaria (cedido pela Prefeitura Municipal de Quissamã) e utilizou a verba da CAPES para a compra de material de consumo. Almejava-se ampliar as possibilidades de uma formação criativa e inovadora com resultados positivos, tanto para a Educação Básica quanto para o grupo proponente, sinalizando a probabilidade de junção cooperativa e parceira das esferas municipal e federal.

     Os participantes fizeram oficinas com artesãos especializados na transformação de madeira em móveis, peças decorativas, utilitários e objetos de arte das mais variadas formas. Logo, marceneiros, em sua essência, são artesãos, que, em seu trabalho, utilizam-se da criatividade, da visão e das mãos para manusear (com habilidade) ferramentas e máquinas – como formão, torno, tupia, serra circular, desengrossadeira, lixadeira de fita, entre outras. Ao fim de seu trabalho, produzem, a partir do tosco, verdadeiras peças de arte.

     O aluno, além de poder se especializar na atividade de marcenaria, ainda contou com a seguinte perspectiva: para que se tornasse um profissional nessa área, precisou se capacitar teoricamente em informática, matemática, empreendedorismo, desenho técnico, mecânica, segurança do trabalho e meio ambiente, história mobiliar, além de aulas práticas. Esse projeto, paralelamente, objetivou não apenas a qualificação da mão de obra, mas a emancipação do indivíduo à geração de emprego e renda, inserindo mulheres (gênero) e promovendo igualdade racial (principalmente à comunidade afrodescendente quilombola, aos imigrantes oriundos do campo ou a outros povos de comunidades tradicionais).

     Três anos após a conclusão do projeto, interessa-nos saber se o curso de marcenaria foi uma estratégia de desenvolvimento humano e local à comunidade quissamaense participante. Nesse contexto, fica evidente a articulação do programa Novos Talentos e a sua ligação com o tripé pesquisa, ensino e extensão.

 

Olhar interdisciplinar do Projeto Qualificar, Trabalhar & Vencer

 

     Os subprojetos basearam-se na interdisciplinaridade e foram divulgados conforme cartaz reproduzido abaixo.

 

Figura Cartaz anunciante do projeto

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Subprojeto “Construção” Mecânica e Desenho

 

     Desde seu passado primitivo, o homem já se comunicava por meio de grafismos e desenhos – basta nos lembrarmos das pinturas rupestres. Ao longo da História, a comunicação evoluiu, assim como o desenho técnico, o qual tem por finalidade representar os objetos o mais próximo possível do real em termos de formas e dimensões. Para o profissional de marcenaria, o desenho é a principal forma de expressão. É por meio dele que o marceneiro exterioriza suas criações e soluções para apresentar seu projeto. Foi desenvolvido, assim, um “corpo” de disciplinas específicas, cada uma atendendo às necessidades e formando um “todo” para o curso.

     Na etapa de concepção do subprojeto “Construção” (entre outubro/novembro de 2010), as disciplinas de Desenho Técnico e Mecânica foram planejadas para que os alunos aprendessem a desenhar a partir da ideia já estabelecida do que iriam fabricar (mecanizar) na oficina de marcenaria. O profissional dessa área deve ter criatividade e saber projetar um móvel ou objeto que atenda às necessidades do seu cliente. Tendo por finalidade a capacitação de cada aluno para melhor compreensão do “todo” – adquirindo uma visão espacial do projeto a ser elaborado à sua atividade/negócio –, as disciplinas de Matemática, Empreendedorismo e Informática foram ministradas em conjunto com Mecânica e Desenho Técnico.

 

Figura Oficina de Desenho

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     O projeto mobiliar deve ter planejamento, pois precisa ser realizado de forma segura, prática e econômica. No curso de Marcenaria, em três meses, os participantes conseguiram desenvolver seus projetos; com o passar das aulas, adquiriram boa visão espacial e mecânica, aprendendo a projetar móveis e peças de maneira adequada e bem resolvida.

     Os estudantes receberam kits de desenho (esquadro, compasso, transferidor, escalímetro, borracha, lapiseiras e grafites); a fim de iniciar suas atividades técnicas, cada aluno das oficinas de Mecânica e Prática recebeu um conjunto de marcenaria – com esquadros de 10” (madeira), trenas, metro articulado, formão de 1/4”, 3/8”, 1/2” e 3/4”, lápis de marceneiro e plaina nº 4. Cada um produziu a sua própria caixa de ferramentas (em madeira), conforme figura a seguir.

 

Figura Caixas de madeira produzidas pelos participantes

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Figura Alunos com professoras de Desenho Técnico e Empreendedorismo

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Subprojeto “Empreendedorismo”

 

     O jovem necessita de algo que suscite seu espírito empreendedor, não apenas com o intuito de abrir seu próprio negócio, mas também com o objetivo de se tornar um ser humano mais autônomo, de comportamento persistente, ousado, com iniciativa para aprimorar seus conhecimentos e possuir maior empregabilidade no mercado de trabalho. “Ensinar” empreendedorismo em alguns meses não foi uma tarefa fácil, pois requer formação com exigência de maturidade humana e profissional.

     A faixa etária dos alunos do curso de Marcenaria variava entre 16 e 24 anos, sendo que ainda se encontravam em formação no nível médio. Na maioria dos casos, até aquele momento, não possuíam sequer alguma experiência formal de emprego. No subprojeto “Empreendedorismo”, que serviu de formação pessoal, os aprendizes foram convidados a conhecer mais a respeito de Tecnologias Sociais, aprendendo sobre os parâmetros necessários a realizar uma pesquisa-ação participativa, visando a uma estratégia de intervenção para o empoderamento desses indivíduos em sua localidade. As aulas começaram em fevereiro de 2011, com o objetivo de ensiná-los as noções básicas (conceituais) de empreendedorismo.

 

Figura Alunos na aula inaugural

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     A partir de maio, sistematizando o conteúdo teórico acerca dos números das empresas a serem visitadas, os participantes começaram a simular em sala de aula seu próprio negócio, iniciando um preparo à parte para as visitas técnicas às empresas, a fim de terem condições de redigir relatórios.

 

Figura Preparando o projeto da mesa de refeições

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     Em junho, os alunos tiveram o desafio de apresentar um produto palpável na Feira de Exposição Agropecuária de Quissamã. Para esse momento, elaboraram uma mesa de refeições para os alunos do IFF, doada ao instituto no mês seguinte.

 

Figura Finalizando a mesa de refeições

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Figura Finalizando a mesa de refeições

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     Antes do recesso acadêmico, os participantes foram auxiliados na elaboração do plano de negócios, etapa de superação de medos e tabus. O exercício de simulação envolveu a nomeação das empresas fictícias. Após a implantação da parte teórica das aulas, os jovens foram convidados a “amadurecer para empreender” algum produto/serviço/negócio; o resultado foi a exposição na Feira do Jovem Empreendedor, organizada pelos próprios alunos. A conclusão da disciplina também se deu no evento, quando as atividades do projeto QT&V foram encerradas; foi o ápice, em que todas as disciplinas ficaram justapostas, destacando a importância e a essencialidade de cada uma no processo.

     Vale também ressaltar a celebração do empreendedorismo em cada aluno, pois todos criaram e executaram seu próprio projeto, além de compreenderem que podem trilhar inúmeros caminhos relativos às suas vocações, seja se tornando empregados em alguma organização (tendo empregabilidade no mercado empresarial) ou até mesmo transformando-se em donos do seu próprio negócio.

     A sistemática de avaliação foi processual (em cada aula) nos aspectos relativos a: frequência, compromisso, participação e responsabilidade. Com relação à evasão, oito dos treze matriculados chegaram à conclusão do projeto, os quais optaram, inclusive, pela formatura com direito à beca. Três alunos desistiram em razão de terem conseguido emprego em empresas ou mesmo pela necessidade de trabalhar como autônomos no horário do curso. Outros dois desistiram por não se adaptarem à área.

 

Subprojeto “Exatas” Informática e Matemática

 

     Negar o uso do computador como ferramenta de trabalho em plena era da tecnologia da informação é um erro já pouco recorrente. Cabe ainda, entretanto, o desafio de verificar os tipos de competência que devem e podem ser desenvolvidos nos indivíduos que utilizam a informática como meio e não como fim. Durante o planejamento do subprojeto “Exatas”, especificamente na disciplina de Informática, os professores de Desenho Técnico, Matemática e Empreendedorismo foram convidados a definir quais conhecimentos e habilidades deveriam ser ampliados nos estudantes, de forma que pudessem ser potencializados com uso de É importante ressaltar que todos os programas usados eram livres. Além de ser um direcionamento do Instituto Federal Fluminense e do Governo Federal, o uso desses aplicativos permitiria que, no futuro, o ex-aluno usasse o programa, sem custo, em sua provável empresa ou trabalho.

     Conforme previsto no projeto, a etapa inicial consistiu em apresentar todos os requisitos para a utilização do computador. Na disciplina Matemática, foram estudadas noções de Matemática Financeira, com cerne no estudo da porcentagem e dos juros simples e compostos. Em seguida, as aulas de Informática passaram a trabalhar com planilhas eletrônicas e softwares de controle de gastos, empregando os conhecimentos adquiridos em Matemática.

     Posteriormente, as disciplinas do subprojeto “Exatas” combinaram suas habilidades já desenvolvidas com competências de outros subprojetos. Desenho e Matemática possibilitaram que cada aluno fortalecesse sua noção espacial (principalmente por meio da geometria); já a Informática mostrou como criar desenhos em 3D para fazer mock-ups (protótipos), que podem ser apresentados aos futuros clientes. Todos os aprendizes tiveram desenvolvimento acima do esperado na elaboração de planilhas e objetos tridimensionais.

     Terminadas as disciplinas de exatas, os futuros empreendedores, utilizando o computador, construíram orçamentos em planilha eletrônica e criaram os o que ajuda a minimizar erros em pedidos e evita desperdício de tempo e madeira, além de ajudá-los na confecção de um catálogo virtual de produtos/peças, algo de suma importância para a apresentação de seus projetos ao público destinado.

 

Subprojeto “SMS” Segurança, Saúde e Meio Ambiente

 

     O subprojeto “SMS” – Segurança, Saúde e Meio Ambiente – foi dividido em duas oficinas: “SS” (segurança e saúde) do trabalhador, e outra, relacionada à consciência a respeito do meio ambiente. No aspecto da segurança e saúde, estudos para a avaliação do perfil de trabalhadores e das condições de trabalho em marcenarias revelaram que:

• Mais de 70% dos que exercem a atividade têm apenas o Ensino Fundamental;

• A quase totalidade dos marceneiros não recebe treinamento externo para exercer a atividade e aprende a profissão dentro da própria marcenaria, iniciando o trabalho como ajudante;

• A grande maioria das marcenarias (mais de 90%) nunca ofereceu qualquer curso sobre segurança no trabalho a seus funcionários, alegando desconhecerem os órgãos que ministrem algo a respeito;

• Dentre os equipamentos de proteção individual (EPI), o protetor auricular foi considerado por 90% dos marceneiros como o maior causador de incômodo, em virtude de apertar e esquentar a parte externa em torno do ouvido;

• Quase 80% das partes do corpo atingidas durante um acidente dentro de uma marcenaria são as mãos e os dedos, resultando, inclusive, em mutilações;

• As atividades responsáveis pelos acidentes que envolvem corte são exercidas na desempenadeira, na tupia e na serra circular. Todos os acidentados afirmaram que a causa das ocorrências foi por descuido.

 

Figura Alunos na marcenaria escola com EPI

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     Em relação aos alunos de Marcenaria, constatou-se que todos possuíam incipientes noções sobre segurança e saúde no exercício da profissão. Com o decorrer do curso, assimilaram os conceitos básicos e aplicaram-nos nas aulas práticas, demonstrando que a prevenção e o planejamento das atividades constituem-se em ferramentas tão importantes quanto o formão e o torno.

     O capacete, as luvas, os óculos e as máscaras antipoeira passaram a integrar naturalmente o processo produtivo. Para os alunos, ficou valendo a máxima “mais vale prevenir do que remediar”. Houve a conscientização, ademais, de que, como artesãos, suas mãos são a mais importante das ferramentas.

     A oficina de Meio Ambiente, por sua vez, foi organizada de forma a trazer discussões atuais relacionadas às atividades que envolvam a marcenaria, procurando aproximar as questões mais relevantes de forma concreta e ilustrada. Foram abordados assuntos como o destino final dos resíduos da indústria moveleira, a importância da madeira legal no ciclo produtivo, os impactos para o meio ambiente decorrentes da extração de madeira ilegal, iniciativas como a madeira plástica, além de uma introdução sobre o ciclo de vida dos produtos, dentre outros. Os seguintes aspectos foram abordados nas oficinas:

 

• A apresentação do tema acerca de resíduos da indústria moveleira tratou de questões sobre reaproveitamento de resíduos e possibilidades de ganho em materiais já custeados, descarte de resíduos e implicações ao meio ambiente;

• A introdução à análise do ciclo de vida dos produtos versou sobre a importância do conhecimento dos processos de produção dos móveis em relação aos gastos de energia e consumo de matérias-primas e sua implicação ao meio ambiente. Nesse contexto, foram ressaltadas a otimização da produção e a consequente redução de custos. Outro aspecto importante foi a tendência do mercado em utilizar a metodologia para a certificação do produto ambientalmente correto;

• O aspecto da utilização da madeira legal foi abordado por meio da apresentação dos problemas ambientais na utilização de madeira de origem ilegal, trazendo à discussão os impactos ambientais gerados após a retirada da madeira sem um plano de manejo adequado;

• A utilização da madeira plástica surgiu como alternativa aos custos da madeira legal, pela sua versatilidade e possibilidade de reciclagem em 100% do resíduo, bem como sua durabilidade e fácil manuseio.

 

     A oficina de Meio Ambiente não teve o objetivo de esgotar o assunto, tampouco aprofundar somente questões teóricas. Contudo, trouxe à realidade do aluno de marcenaria seu contexto profissional, sua contribuição para a preservação do meio ambiente e salientou as principais direções do mercado no que tange aos aspectos do meio ambiente, como consumo de matérias-primas e alternativas que existem à sua disposição, além da gestão de resíduos e os principais impactos ambientais derivados da extração ilegal de madeira.

 

Outras informações pertinentes: aulas práticas e relatórios mensais

 

     O projeto iniciou-se em maio de 2010 (aprovação e submissão). De sua aprovação (novembro de 2010) até novembro de 2011, a equipe do projeto (coordenação, pedagoga e docentes) realizou dez encontros (um por mês) para ajustes, acompanhamentos, deliberações, entre outros.

     Além das disciplinas teóricas, o projeto teve 240 horas destinadas a aulas práticas com o mestre de marcenaria Luiz Augusto Pessanha. Desse total, 16 horas foram destinadas a duas visitas técnicas em seis empresas ligadas à área de marcenaria: quatro na cidade de Campos dos Goytacazes (dentre elas, Madeira & Arte e Todeschini), conforme as figuras abaixo, mais duas na cidade de Niterói, sendo uma ligada à marcenaria náutica (Projeto Grael) e outra ao profissional que confecciona instrumento musical em madeira Jonas Caldas). Dez horas foram destinadas a um “olhar” sobre História Mobiliar.

 

Figura Visita a empresas

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Figura Alunos na visita técnica em Campos dos Goytacazes – RJ

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Figura Alunos na visita técnica em Niterói – RJ

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     A proposta original de ensinar História, disciplina que tende a ser fundamentalmente teórica quando trabalhada no ensino básico, para alunos que buscam aprendizado técnico em Marcenaria colocava um desafio: como conciliar teoria e prática sem ferir as especificidades do conhecimento histórico e sem desconsiderar as expectativas pragmáticas de alunos que, em sua maioria, cursam o Ensino Fundamental e ainda carecem de conceitual básico? A solução para tal dilema foi trazer um pouco de História para o cotidiano desses educandos, especificamente destacando onde moram e provavelmente irão desempenhar sua futura profissão: o município de Quissamã, lugar que por si próprio cristaliza memórias de um passado nem tão distante, as quais, por sua vez, remontam a outras histórias que flertam com a colonização portuguesa, cujos elementos vão desde a lógica da dominação econômica até a influências culturais transversas, como a mourisca e a veneziana.

     De acordo com o docente responsável, Rogério Fernandes, o primeiro ponto a ser trabalhado com os alunos foi a lógica da dominação econômica, raiz da própria colonização. Nesse caso, numa tentativa de conciliar teoria e prática, a pretensão foi fazer com que compreendessem tal lógica a partir da proibição imposta pela Coroa Portuguesa de que se praticasse a metalurgia no Brasil, o que praticamente inviabilizava o acesso a bens materiais feitos com ferro, inclusive pregos. Cabe ressaltar que, diante da escassez desse material, os construtores de casas na colônia tiveram de se esmerar no desenvolvimento de técnicas de encaixe em madeira; algumas dessas técnicas são visíveis nos casarões históricos de Quissamã e, ainda hoje, praticadas por marceneiros locais, inclusive o Sr. Luís, instrutor dos alunos.

     O segundo e terceiro pontos trabalhados remetem a duas outras técnicas com madeira que possuem origens culturais diversas, mas que convergem para uma mesma matriz de influência, que é a portuguesa: a primeira é a da treliça, que remonta ao mundo árabe e a sete séculos de ocupação na Península Ibérica no território português; a segunda é a da veneziana, que converge para o período medieval, quando eram frequentes os contatos entre comerciantes da região do Vêneto e portugueses nas rotas do Mar Mediterrâneo.

     Os procedimentos de trabalho foram: ida do professor aos sítios históricos de Quissamã (Casa Mato de Pipa, Solar Mandiquera e Casa de Quissamã) com um olhar voltado a trabalhos de marcenaria; contato inicial com alunos em trabalho de campo na cidade de Niterói, visitando o Espaço Grael e um luthier de renome (aqui, o conhecimento histórico foi apresentado de maneira sutil aos alunos, adicionando informações sobre marcenaria náutica e pragmatismo português); visita à oficina de marcenaria para uma conversa com os estudantes e com o instrutor, Sr. Luís (foram propostos três trabalhos práticos aos alunos sobre técnicas de encaixe em madeira, treliça e veneziana); por fim, palestra, conjugando o conhecimento histórico com as técnicas específicas utilizadas pelos aprendizes na feitura das peças de encaixe, treliça e veneziana.

 

Avaliação da experiência: tecnologias sociais

 

     Diante de que foi exposto anteriormente, podemos afirmar que a operacionalização do Programa Novos Talentos, ao propiciar um curso profissionalizante na área de Marcenaria, representou uma estratégia de desenvolvimento humano, uma vez que o projeto se orientou pelo compromisso com as demandas locais da população fluminense.

     As implicações dos resultados relacionam-se aos objetivos do projeto. Sua metodologia trouxe, com essa experiência, princípios que trabalham a adesão ao conceito de Tecnologias Sociais (TS), definidas como a compreensão de que produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis podem ser desenvolvidos na interação com a comunidade e representar efetivas soluções de transformação social.

     Segundo o Sistema de Acompanhamento de TS (SATECS), as quatro dimensões das TS são:

 

1ª dimensão – Conhecimento, ciência e tecnologia a TS tem como ponto de partida os problemas sociais; é feita com organização e sistematização; introduz ou gera inovação nas comunidades; 2ª dimensão – Participação, cidadania e democracia – a TS promove democracia e cidadania; vale-se de metodologias participativas; busca inclusão e acessibilidade; 3ª dimensão – Educação – a TS realiza um processo pedagógico por inteiro; desenvolve-se num diálogo entre saberes populares e científicos; é apropriada pelas comunidades que ganham autonomia; 4ª dimensão – Relevância Social – a TS é eficaz na solução de problemas sociais; tem sustentabilidade ambiental; provoca transformação social (ITS BRASIL, 2010, p. 18).

 

     Esse conceito remete-nos a uma proposta recomendável de aplicações e sugestões ao progresso humano, considerando a participação coletiva no processo de organização e implementação. Está baseado na construção de soluções para problemas voltados às várias demandas, dentre elas: educação, alimentação, energia, habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio ambiente etc. As TS permitem aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico, importando, essencialmente, que sejam efetivas e reaplicáveis, propiciando desenvolvimento social e local.

     Nesse projeto, foi adotada uma TS inovadora, que redefiniu parâmetros para uma pesquisa-ação participativa, como estratégia de intervenção para o empoderamento dos alunos envolvidos. A ação se deu por meio da criação, implementação e avaliação de um curso profissionalizante para alunos na faixa etária entre 16 e 24 anos, matriculados em curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com dificuldades no processo relacional, deficiência nas interações dialógicas e baixa autoestima, aspectos que deveriam ser (e foram) trabalhados no projeto, já que, inicialmente, os estudantes tinham problemas de interação em sala de aula. Muitos se sentiam envergonhados, sem vontade de se expor, sem olhar o professor com cabeça e ombros erguidos. Durante os meses do curso, a autoestima foi trabalhada, e os discentes, por conta própria, compraram e vestiram a camisa do IFF, dizendo: “ano que vem, professor, voltarei a fazer outro curso técnico aqui no IFF...”

     Segundo Fortunato (2006, p. 4),

 

A democracia deve evoluir [...] para que os esforços despendidos no processo de participação sejam efetivamente postos em prática, para que a mobilização dos atores sociais seja permanentemente motivada de forma a empoderar às comunidades, para que elas assumam um papel ativo e criativo no desenho do seu futuro.

 

     Com a execução das partes teórica e técnica do projeto, durante o ano de 2011, após a sua conclusão, observamos que é algo que pode ser reaplicado em qualquer outra localidade por meio de uma TS que reunisse oficinas de capacitação/aprendizagem prática e orientação voltadas a apoiar o empreendedorismo popular.

     Outra sugestão, advinda da avaliação do projeto, foi a recomendação de uma pré-incubação dos alunos durante alguns meses. A orientação partiu do IFF, direcionando-os à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, em parceria com a Prefeitura Municipal de Quissamã, por meio do Sistema Nacional de Emprego (Sine), a fim de que esses estudantes pudessem ser assessorados para o ingresso no primeiro emprego ou na geração de trabalho e renda.

     Apesar do número limitado de aulas, houve amadurecimento por parte dos alunos, pois todos os assuntos foram pertinentes à formação do marceneiro. A princípio, não foi tão valorizada a relação entre disciplinas teóricas e processo produtivo. Com o passar do tempo, no entanto, e com as discussões e visitas técnicas que foram realizadas, os docentes observaram alguns aspectos teóricos mais salientados, por exemplo, o conhecimento sobre o meio ambiente. Pela pouca idade dos estudantes, acredita-se que alcançaram entendimento satisfatório acerca da importância em preocupar-se com todo o ecossistema, visando a um processo de produção sustentável.

     Antes mesmo da conclusão do curso já houve quem produzisse para certos clientes particulares. Em um desses casos, foram à casa de praia de um cliente para realizar a medição de basculantes e elaborar o primeiro trabalho extra. Outra situação relevante foi a de um aluno que já dominava a elaboração de projetos em Autocad – software indispensável a profissionais de arquitetura e engenharia – e os vendia para execução em madeira.

 

Figura Equipe do 1º orçamento na casa de praia de um cliente em 2011

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

     Todos os oito formados receberam convite para trabalhar nas empresas de Campos dos Goytacazes. Em função de sua pouca idade, contudo, preferiram iniciar o primeiro emprego na própria cidade em que residem, Quissamã. Posteriormente, três desses alunos ingressaram no curso de Técnico em Eletromecânica no próprio Instituto Federal Fluminense, sendo que dois se tornaram bolsistas remunerados do instituto. Outro estudante formado iniciou trabalho com atendimento ao público, além de um que conseguiu estágio no Banco do Brasil.

     Acreditamos, assim, que esse projeto interdisciplinar atingiu seu objetivo, o de profissionalizar alunos da Rede Pública de Ensino Básico na arte da Marcenaria. Para os docentes (dois doutores, três mestres e três especialistas) participantes da empreitada, houve também desenvolvimento acadêmico: no momento da redação deste texto, dois haviam ingressado no mestrado e um no doutorado. A implantação, portanto, do Programa Novos Talentos, parceria envolvendo a comunidade carente de trabalho e renda por meio do apoio da CAPES, do Instituto Federal Fluminense e da Prefeitura Municipal de Quissamã, trouxe vantagens para os participantes, de modo a se configurar como uma estratégia de desenvolvimento humano e local sustentável, criando um novo “olhar” interdisciplinar à construção de uma identidade social, política, cultural e educacional.

Figura 14: Participantes do Projeto – Diana Amado (coordenadora), Sérgio Inácio (Diretor do IFF), Luiz Antônio (mestre de marcenaria), Rui Dantier (responsável pela Escola de Marcenaria) e os alunos

 
 

Fonte: O próprio autor.

 

Conclusão

 

     Parece-nos evidente a articulação em torno da questão emergente do programa Novos Talentos e sua ligação com o tripé pesquisa, ensino e extensão, uma vez que, no viés extensionista, foi trabalhado com uma comunidade externa (oriunda da escola pública); no ensino, a configuração de uma proposta pedagógica diferenciada, que envolveu professor e aluno da Educação Básica, a partir da interdisciplinaridade e da formação do “indivíduo trabalhador”; finalmente, fomentando esse nicho de discussão proposta pelo Programa Novos Talentos, houve contribuição à pesquisa, no intuito de auxiliar na melhoria da qualidade da educação brasileira em uma sociedade globalizada e que emerge em redes de desigualdades sociais.

 

Referências

 

BRASIL. Instituto de Tecnologia Social. Tecnologia Social: experiências inovadoras em extensão universitária. São Paulo: ITS BRASIL/MCTI-SECIS, 2012. Disponível em: Acesso em: 29 2016.

 

FORTUNATO, R. A importância da educação para sustentabilidade na atividade turística. Revista Científica Eletrônica Turismo, v. 3, n. 4, p. 1-14, jan. 2006. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2014.