Escolas Públicas

Conhecimento, escola e comunidade:: experiências no âmbito do programa novos talentos


 

Introdução

 

     A parceria em educação é sempre bem-vinda, especialmente quando Educação Básica e universidade se encontram. A cooperação resultante torna-se uma oportunidade para recomeços, ajudas mútuas e descobertas compartilhadas, ainda mais se forem representações da educação que ainda não conhecemos.

     Foi no início de 2011 que esta pesquisa ganhou seus rumos, devido à oportunidade ímpar de participar do projeto do programa de apoio a projetos extracurriculares desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP), por meio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão e por quatro escolas públicas, conforme o edital CAPES/DEB nº 033/2010, intitulado Investindo em novos talentos da rede de educação pública para inclusão social e desenvolvimento da cultura Trata-se de um projeto voltado à imersão de alunos em espaços de cultura, divulgação da ciência e formação de professores, dentre outras ações.

     A pergunta norteadora do nosso trabalho foi: a imersão de crianças e jovens durante o projeto pode ou não influenciar de alguma forma a relação dos alunos com o conhecimento escolar?

 

Novos Talentos como potencial de transformação de representações sociais

 

     O conceito de representação social desenvolvido por Moscovici (1978) tem sido adotado em estudos de Psicologia Social que abordam os comportamentos coletivos e as estruturas que mantêm a organização e a orientação dos elementos pertencentes a um grupo. A representação social é como um conhecimento que estrutura nossas relações no grupo social e com o mundo ao nosso redor (o ambiente, a cultura, o estado, a nação etc.), de modo a regular os comportamentos, criando e sendo criado por valores socialmente constituídos. De acordo com essa teoria, o integrante de um grupo orienta-se pelas representações sociais constitutivas desse grupo e se pauta nelas para a tomada de decisões individuais, já que pertencer a uma coletividade requer ao indivíduo que se esforce para nela ser e estar incluso. Com base nesse pressuposto, nossa hipótese foi que a imersão em espaços de cultura geral e científica de professores e estudantes altera as representações sociais acerca do conhecimento para os alunos e, por consequência, sua relação cotidiana em sala de aula.

     Para que se revelem as representações sociais dos discentes a respeito do conhecimento escolar, utilizamo-nos de uma técnica desenvolvida em 1990 na Universidade de São Paulo, por Lefevre, intitulada Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

 

O discurso do sujeito coletivo (DSC) é uma estratégia metodológica com vistas a tornar mais clara uma dada representação social. Consiste na reunião, num só discurso-síntese, de vários discursos individuais emitidos como resposta a uma mesma questão de pesquisa, por sujeitos social e institucionalmente equivalentes ou que fazem parte de uma mesma cultura organizacional e de um grupo social homogêneo na medida em que os indivíduos que fazem parte deste grupo ocupam a mesma ou posições vizinhas num dado campo social. O DSC é então uma forma de expressar diretamente a representação social de um dado sujeito social (SIMIONI et al., 1997, p. 24).

 

     Dessa forma, obtivemos as representações sociais discentes e as descrições dos professores sobre o comportamento desses alunos, além de relatarem as mudanças de comportamento e de suas ações, em dois momentos: o primeiro, em maio de 2011, ocorreu antes do início das visitas aos espaços de cultura na Universidade; o segundo momento ocorreu durante o mês de agosto de 2012, cerca de doze meses após as primeiras visitas, momento em que a iniciativa já havia se encerrado. Por iniciativa da USP, via Pró-Reitoria de Extensão, das escolas e da CAPES, o projeto foi reformulado e ampliado, tendo em 2014 mais uma edição.

 

Novos Talentos na USP

 

     As parceiras da universidade no projeto são escolas da rede pública situadas na periferia de São Paulo: duas municipais Municipal de Ensino Fundamental Jardim da Conquista e Escola Municipal de Ensino Fundamental Cândido uma estadual Estadual Florestan e uma técnica estadual Técnica Estadual Gildo Marçal Bezerra Brandão de Ensino Médio e

     O foco do projeto está no incentivo aos agentes e nas atividades que complementam e atualizam a formação de professores e alunos. Além disso, busca otimizar os recursos e ferramentas existentes na universidade para auxiliar o desempenho dos educadores, estimular sua criatividade e valorizar seu papel na formação do saber e do conhecimento. O projeto divide-se em quatro subprojetos: a USP”, “Vivência Universitária para o Professor”, “Ações Integrativas” e “Educação do

     O primeiro subprojeto buscou a promoção da vivência universitária para o aluno, e é chamado de a Consistiu na imersão de educandos e docentes no ambiente universitário, nos museus e em espaços de cultura da universidade, onde foram realizadas visitações e oficinas no período de férias escolares, em finais de semana e feriados. O segundo subprojeto, Universitária para o Professor: Educação almejou, mediante cursos de extensão universitária nos moldes de difusão, atualização e aperfeiçoamento, contemplar especialmente temas emergentes em cada área de conhecimento. Já o terceiro, procurou o conhecimento e a formação profissional. A base das ações integrativas deu-se por meio de palestras, seminários, experimentos e gincana científica. Tal oportunidade de integração foi bastante inovadora. O último subprojeto, do buscou o cinema e o vídeo como formadores. Teve por meta sensibilizar o professor para que pudesse ver a sétima arte com outro olhar e de um lugar diferente.

     Nossa pesquisa se deu a partir das ações do subprojeto a em 2011 e 2012. Foi uma oportunidade única de acompanhar e perceber se a inserção de escolas públicas no ambiente universitário, mediante a presença de alunos e professores nos espaços de Cultura da USP, e a oferta de capacitação docente prevista no projeto iria de alguma forma mudar as representações sociais dos alunos acerca do conhecimento escolar, ou seja, se a escola pública participou das ações do projeto. Em paralelo, realizamos uma pesquisa sobre a relação dos estudantes com o conhecimento escolar, a fim de percebermos como essa relação ocorre, partindo do referencial das representações sociais.

     Participaram do projeto participaram quatro escolas parceiras da universidade. Neste texto, trazemos dados colhidos junto à Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Jardim da Conquista.

 

Pesquisando o projeto a

 

     Antes de iniciar o projeto, estivemos em contato com as escolas para esclarecer os pontos da ação conjunta que estávamos prestes a vivenciar, contato que começa a nos inserir como elementos parceiros e de presença não mais estranha, na medida em que outros vários ocorriam. Essa ambientação facilitou nossa interação com professores e alunos. Antes que as visitas ocorressem, os educandos responderam a um questionário aberto, com três perguntas, no qual não era necessário que se identificassem.

     Foram entrevistados 40 alunos da escola parceira, e a entrevista foi dividida em dois momentos: o primeiro, antes das visitas aos espaços de cultura na Universidade de São Paulo, em maio de 2011 – a segunda etapa foi em agosto de 2012. Os entrevistados da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) apresentavam faixa etária entre 11 (alunos do 6º ano) e 14 anos (9º ano). As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas, tiveram duração média de trinta minutos, com as seguintes perguntas: (1) Que importância você vê no que aprende na escola?; (2) Como você se comporta nas aulas?; (3) Você estuda em casa?

     Como estamos interessados nas representações sociais, todo integrante do grupo que respondeu ao questionário nos deu acesso às representações daquele momento, visto que são dinâmicas e se modificam por meio das interações e experiências, sejam elas pessoais ou coletivas (MOSCOVICI, 1978).

     Para obtermos os discursos do sujeito coletivo (DSC), utilizamos os métodos propostos por Lefevre (2012), os quais descreveremos a seguir. Esses discursos foram posteriormente organizados em um questionário de múltipla escolha, levado de volta à escola em dois momentos. Na primeira aplicação, em setembro de 2012, responderam 80 alunos; na segunda etapa, em julho do ano seguinte, o número subiu para 140 estudantes. Após a análise dos dados coletados, obtivemos uma distribuição percentual dos DSC para cada questão.

     As questões tiveram por finalidade perceber as representações sociais do conhecimento escolar dos alunos da EMEF Jardim da Conquista. As perguntas foram: (1) Como é um dia na escola?; (2) Você estuda em casa?; (3) Como você se comporta nas aulas?; (4) Que importância você vê no que aprende na escola?

     Os professores também foram entrevistados em dois momentos, durante o período das visitas e em agosto de 2012, quando a edição do projeto Novos Talentos já havia se encerrado (julho de 2013). As entrevistas ocorreram por meio de questões estruturadas e abertas que foram gravadas, as quais tinham por objetivo conhecer como os docentes percebem a relação de seus alunos com o conhecimento escolar e como se comportam durante as aulas. Não é nossa intenção obter um DSC das falas dos professores, mas sim que possam servir como parâmetro de complemento às análises dos DSC dos discentes.

 

Referencial de análise

 

     Os discursos do sujeito coletivo (DSC) possuem as qualidades apontadas por Lefevre e Lefevre (2006); devemos observar que não são as representações sociais, mas carregam os sentidos, as práticas, as ideias e os anseios de um grupo social, ao menos em relação ao tema do DSC; nos dão, com isso, acesso aos significados presentes nas representações sociais. Os DSC são mais que a soma dos depoimentos; são, na verdade, uma expressão do arsenal de ideias, imagens e valores que um grupo possui e que aparecem quando os integrantes falam sobre algum tema.

     A novidade metodológica dos DSC está na expressão do pensamento coletivo, que recebe tratamento discursivo, preservando uma riqueza semântica própria da fonte da pesquisa, pois o discurso redigido em primeira pessoa do singular mantém o vínculo entre o coletivo e o indivíduo.

     O DSC busca reconstruir, a partir de partes dos discursos individuais, como um quebra-cabeça, todos os discursos/sínteses necessários para expressar uma determinada figura ou tema. De cada entrevista buscamos encontrar as ideias centrais, expressões-chave e ancoragens para que, por meio da observação de todas elas, separássemos as ideias centrais semelhantes em todos os depoimentos dos entrevistados. Posteriormente, destacaremos expressões-chave e ancoragens, quando houver.

     A produção do discurso do sujeito coletivo passa pela identificação dos operadores. Vamos exemplificar com elementos da resposta à pergunta: você estuda em casa?

     Ideias centrais são formas sintéticas carregadas de sentido e presentes no depoimento; constituem-se em um nome ou expressão linguística que revela e descreve da maneira mais sintética e precisa possível os sentidos das expressões-chave (por exemplo: mãe (pai) pede que estude para o

     Expressões-chave são partes ou trechos das entrevistas, do material verbal produzido, que melhor representam a opinião do coletivo ou de parte deste. Revelam, portanto, a essência do conteúdo do depoimento ou do discurso (por exemplo: bom estudar pelo menos um pouquinho, fazer lição se tiver lição de

     As ancoragens, por outro lado, são formas sintéticas que expressam ideologias, valores ou crenças presentes nos discursos no futuro vou

     Desse material vamos compor o discurso, que constitui a síntese de um grupo social, ou seja, o discurso do sujeito coletivo nos permite vislumbrar a representação social do grupo acerca do assunto em questão – em nosso caso, os alunos da rede pública. Quando houve mais de uma ideia central nas respostas dos integrantes do grupo a respeito da questão, formamos um DSC para cada uma delas.

     Exemplo de DSC é: por que meu pai (minha mãe) fala pra eu sempre estudar vou prestar ETEC, e é bom estudar pelo menos um pouquinho, fazer lição se tiver lição de casa, se tiver um restinho mesmo que não seja lição de casa fazer, por que no futuro vou

     Ao responder nossos questionamentos, cada aluno não expressa o que pensa a respeito de algo ou alguém de forma independente à opinião coletiva na qual está inserido; pelo contrário, sua resposta está carregada dos valores e posturas práticas comuns ao grupo, ou seja, as representações sociais são referência e os identificam. Dessa forma, estamos interessados em conhecer as representações sociais acerca do conhecimento escolar, as quais expressam a valoração que o grupo dedica ao conhecimento obtido na escola e, portanto, regulam os comportamentos dos estudantes na relação com o conhecimento em todos os ambientes, dentro e fora da escola.

 

As visitas

 

     Cada espaço de cultura na universidade que tomou parte do projeto destacou uma equipe de educadores, os quais desenvolveram e propuseram atividades para as visitas. Descrevemos a seguir o que ocorre nessas visitas, que envolveram grupos de 20 alunos, seu professor e um monitor do projeto (aluno da USP), por quatro horas no período da manhã e mais quatro após o almoço – leia-se bandejão central da USP –, além de dois intervalos para lanche, um em cada período.

     Iniciadas as visitas, acompanhamos os estudantes na recepção da universidade, na distribuição dos lanches, na hora do almoço e antes de voltarem para a escola. Com isso, pudemos perceber a animação e o interesse com que participaram das atividades oferecidas pelos espaços de cultura da universidade. É realmente emocionante perceber a felicidade com que se envolveram e o sentimento recíproco de respeito que pudemos partilhar. Cada um dos espaços de cultura ofereceu a imersão desses alunos nos campos de conhecimento de cada área. Os espaços visitados pela EMEF Jardim da Conquista foram:

 

§ Show da Física;

§ Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE);

§ Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC);

§ Museu Oceanográfico;

§ Centro de Práticas Esportivas da USP (CEPEUSP);

§ Estação Biologia;

§ Grupo da Prof.ª Eliana, Instituto de Biologia (IB);

§ Museu de Geociências.

 

     A seguir, ilustramos resumidamente os programas tratados em alguns dos espaços de cultura e divulgação da ciência durante as visitas.

     O Instituto Oceanográfico e o Museu Oceanográfico receberam nossos alunos, que assistiram à palestra intitulada A água no na sequência, fizeram uma visita monitorada ao Museu e ao Instituto; em seguida, participaram de uma oficina para montagem de aquários; para finalizar, uma atividade com jogos educativos, trabalhando com aspectos da Oceanografia.

     No Museu de Geociências, assistiram a uma palestra sobre Geologia, realizaram uma visita monitorada com roteiro interativo, elaborada pelos educadores especialmente para a participação no a À tarde, participaram de um roteiro geológico no campus para coletar e classificar rochas, finalizando com a visita à oficina de réplica de fósseis.

     Por fim, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), as crianças assistiram a uma palestra sobre o próprio museu e a arte contemporânea; também visitaram uma exposição com o educador do museu. Na parte da tarde, motivados pelo que viram na exposição, realizaram atividades no ateliê.

     No Centro de Práticas Esportivas da USP (CEPEUSP), os participantes conheceram o CEPE, seus espaços e sua história, tomaram contato com brincadeiras em grupo, conheceram vários esportes, realizaram atividades para melhorar sua postura e relaxar. A recreação foi a tônica dessas visitas.

     Outro contato que tiveram foi com o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), especialmente com a cultura Ashaninka, por meio de painéis fotográficos e objetos usados no dia a dia. Os índios Ashaninka estão localizados no Acre, às margens dos rios Breu, Amônia e Arara, afluentes dos rios Juruá e Envira, até a Cordilheira dos Andes, no Peru. A estratégia foi explorar a ideia de retrato, forma como esses índios foram representados, e como podemos nos representar, seja na arte ou em nossos registros pessoais, a fim de compreender e respeitar as diferenças entre culturas.

 

Impacto das Visitas

 

     Depoimentos prestados pelos professores nas avaliações após a visita evidenciam o impacto das atividades. A professora Mara Bertini Reis, da EMEF Jardim da Conquista, acompanhou seus alunos na Estação Biologia e nos deu o seguinte depoimento:

 

Os alunos realizaram todas as atividades com bastante entusiasmo e interesse, mostrando estar prontos a todo o momento para adquirir conhecimentos. Eu, como educadora na área de Ciências, ir até a USP foi uma experiência inesquecível, acrescentou à minha bagagem de conhecimento e adquiri dicas de atividades para realizar na sala de aula, onde os alunos poderão participar mais e fará das aulas interessantes e dinâmicas para um melhor aprendizado (Informação Pessoal).

 

     O professor Josenildo S. Silva, de Educação Artística, deu o seguinte relato:

 

Depois da visita à USP, eles [os alunos] mudaram o pensamento deles. A gente vê que qualquer dificuldade que eles encontram na frente deles, ele fala assim: ‘mas eu tenho que vencer essas dificuldades por que eu vou entrar na USP. Eu tenho que aprender a resolver esse problema, a fazer esse texto, a ler e entender o contexto porque na USP eu vou precisar disso’. Então eles já passaram a sonhar com a USP.

 

Os discursos do sujeito coletivo “Jardim da Conquista”

 

     Os DSC apresentados pelos alunos estão organizados nos quadros a.seguir

 

Quadro Que importância você vê no que aprende na escola?

 

Pergunta: que importância você no que aprende na escola?

Em maio de 2011

Em agosto de 2012

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

(1)

Não responderam

Não pudemos obter um discurso.

(1a)

Ter um futuro melhor

‘Eu acho importante, porque quando tiver maior e for alguém, vou ter um futuro melhor, vou conseguir um bom emprego e trabalhar, para dar um futuro para os filhos e pelo menos um de nós ir pra USP, pois é uma grande oportunidade fazer uma prova da USP e passar’.

26%

49%

(2)

Serve para algo

‘Tudo que eu aprendo é importante porque servirá para alguma coisa, um dia na vida será útil, a gente poderá usar para alguma coisa’.

(2a)

Serve para algo

‘Tudo que eu aprendo é importante porque servirá para alguma coisa, um dia na vida será útil, a gente poderá usar para alguma coisa’.

5%

16%

(3)

Futuro melhor

‘Para eu ter um futuro melhor, quando crescer eu conseguir um trabalho bom, quem não tem estudo não vai ser nada na vida’.

(3a)

Porque cai nas provas

‘É importante, porque cai nas provas e vou prestar a ETEC, e serve pra aprender um pouco mais e isso é sempre bom’.

43%

9%

(4)

Aprender é legal

‘Eu aprendo muita coisa legal aqui na escola sempre tem coisa nova, às vezes é difícil, mas eu gosto de aprender sempre tudo’.

(4)

Aprender é legal

‘Eu aprendo muita coisa legal aqui na escola sempre tem coisa nova, às vezes é difícil, mas eu gosto de aprender sempre tudo’.

26%

10%

(5a)

Gosta de aprender para no futuro ser referência na família

‘Eu gosto de aprender, isso pode me levar para frente, pois aprendo mais; vindo para escola então melhora bastante, e lá para frente você vai ter que lembrar as coisas que aprendeu na escola para levar a vida e para ser alguém, e ser lembrado pelo menos pelos membros da família’.

15%

(6a)

Para quando trabalhar

‘Eu acho muito, muito importante, mas eu não consigo, é difícil, os professores, ficam falando que quando a gente for trabalhar vamos precisar responder e se a gente não aprendeu nenhuma das coisas a gente vai ser um desconhecido do mundo’.

1%


Fonte: Elaborado pelos autores.

 

     Comparando os dois momentos, podemos ver que tanto os percentuais se modificaram quanto a qualidade das ideias contidas nos discursos progrediram. Os temas tratados nas aulas parecem mais relevantes a esses alunos, que também mostraram nova postura das tratativas. Comprometimento com o futuro, com a família e com o conhecimento são mais evidentes no segundo momento.

 

Quadro 2: Como você se comporta nas aulas?

 

Pergunta: como você se comporta nas aulas?

Em maio de 2011

Em agosto de 2012

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

(5)

Não responderam

Não pudemos obter um discurso.

(5)

Calmo, atencioso, bom aluno

‘Eu sou calmo nas aulas, presto bem atenção quando é aula de explicação, quando tenho dúvida pergunto à professora e faço todas as lições’.

12%

12%

(6)

Às vezes bagunço, não fico quieto, mas faço a lição

‘Me comporto às vezes bem e às vezes mal, bagunço, é difícil ficar quieto, eu bem que tento, mas não dá, bagunço, mas faço as lições’.

(6)

As vezes bagunço, não fico quieto, mas faço a lição

‘Me comporto às vezes bem e às vezes mal, bagunço, é difícil ficar quieto eu bem que tento, mas não dá, bagunço, mas faço as lições’.

6%

15%

(7)

Sou bagunceiro, fico zoando

‘Eu sou bagunceiro(a), fico zoando, não consigo ficar quieto(a), às vezes me provocam, às vezes eu provoco’.

(7)

Sou bagunceiro, fico zoando

‘Eu sou bagunceiro(a), fico zoando, não consigo ficar quieto(a), às vezes me provocam, às vezes eu provoco’.

9%

9%

(8)

Converso muito, sei que falo demais

‘Eu participo das aulas, copio tudo, mas acho que eu converso muito, sei que às vezes atrapalho a aula’.

(8a)

Falo muito, mas participo e faço as lições

‘Eu falo muito durante as aulas, falar é normal, mas eu presto atenção às perguntas e as explicações e faço as lições, se não dá tempo faço em casa’.

19%

34%

(9)

Presto atenção e depois converso

‘Eu me comporto bem nas aulas, depois da lição, eu converso, não faz mal falar um pouco’.

(9)

Sou bom aluno

‘Eu faço as lições e quando o professor está explicando eu presto atenção, converso um pouco e quase não bagunço, por isso sou bom(a) aluno(a)’.

20%

23%

(10)

Muito bem, respeito o professor

‘Eu me comporto muito bem e não converso durante a lição ou quando o professor explica’.

(10a)

Faço as lições, presto atenção, tiro dúvidas

‘Faço as lições, presto atenção e faço o que os professores pedem, se tenho dúvidas pergunto a um aluno(a) que entendeu, e por isso sabe tudo, e só falo um pouquinho durante a aula’.

34%

7%


Fonte: Elaborado pelos autores.

 

     Para os estudantes, o comportamento nas aulas parece apenas vinculado à disciplina (falar durante as aulas, fazer as lições e prestar atenção ao professor), o que não mudou nas suas representações. Desse modo, vemos como necessário a escola rever os modelos de participação nas aulas por ela reificados. Os alunos não praticarão o que não sabem fazer: falar nas aulas é fundamental para fornecer mais interação com o conhecimento e maior socialização.

 

Quadro Você estuda em casa?

 

Pergunta: você estuda em casa?

Em maio de 2011

Em agosto de 2012

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

(11)

A mãe pede que estude para o futuro

‘Sim, porque minha mãe me força a estudar, ela diz que não posso brincar enquanto tiver lição, ela está sempre lembrando que eu preciso ser alguém na vida’.

(11ª)

A mãe (pai) pede que estude para o futuro

‘Estudo, porque meu pai (minha mãe) fala para eu sempre estudar, vou prestar ETEC, e é bom estudar pelo menos um pouquinho, fazer a lição se tiver lição de casa, se tiver um restinho mesmo que não seja lição de casa fazer, porque no futuro vou precisar’.

5%

20%

(12)

Por conselho do professor para aprender

‘Sim, quando o professor fala para eu estudar, que sem estudar não aprendo, ele está sempre preocupado com a gente’.

(12)

Por conselho do professor para aprender

‘Sim, quando o professor fala para eu estudar, que sem estudar não aprendo, ele está sempre preocupado com a gente’.

5%

9%

(13)

Sim, para aprender mais uso a internet

‘Sim, para saber mais e aprender coisas legais, olho na internet para ver mais daquela matéria, sempre tem coisas que o professor não falou’.

(13)

Sim, para aprender mais uso a internet

‘Sim, para saber mais e aprender coisas legais, olho na internet para ver mais daquela matéria’.

16%

7%

(14)

Sim, às vezes não tem tempo

‘Sim, eu estudo às vezes, eu não tenho muito tempo e de vez em quando eu estudo, preciso ajudar lá em casa’.

(14a)

Quando tem prova e toda vez que não entendo

‘Quando tem prova e toda vez que não entendo eu estudo em casa, perto das provas eu vejo todas as matérias que já fiz, o caderno e tem uns livros que pode levar para casa, eu gosto de estudar, mas só um pouco’.

19%

8%

(15)

Só quando tem provas para lembrar

‘Eu estudo quando têm provas ou avaliações, é bom lembrar as coisas que a professora passou, sempre tem muita coisa para ver’.

(15a)

Estudo uma semana antes de provas ou trabalhos

‘Quando tem prova ou quando tem algum trabalho eu estudo, eu já fico me preparando, uma semana antes vou estudando, para chegar no dia da prova já lembro o que estudei e faço a prova e para tirar nota boa’.

14%

12%

(16)

Não, porque não quero, sem esperança

‘Eu não estudo, porque não quero, é chato, não vai adiantar nada mesmo, nunca vi isso levar a algum lugar’.

(16a)

Nunca, nem antes das provas, fico na internet

‘Eu não vou mentir, nunca, nem antes das provas, às vezes eu falo: eu tenho que estudar, mas na hora eu não resisto, ponho nos meus sites lá, no Facebook, no Twitter, aí não aguento e tem vez que minha mãe fala que tem prova, então tem que estudar e eu não estudo’.

8%

22%

(17)

Sim

Não pudemos obter um discurso devido à resposta monossilábica.

(17a)

Não, nem quando tem prova, vou bem porque lembro

‘Não, nem quando vai ter prova, vou bem só porque eu lembro das matérias que o professor passou, porque a maioria é sobre o que ele passou’.

14%

22%

(18)

Não

Não pudemos obter um discurso devido à resposta monossilábica.

19%


Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Quadro 4:

 

Pergunta: ??????

Em maio de

Em agosto de 2012

DSC

Ideia Central

Discurso do Sujeito Coletivo

(11)

A mãe pede que estude para o futuro

‘Sim, porque minha mãe me força a estudar, ela diz que não posso brincar enquanto tiver lição, ela está sempre lembrando que eu preciso ser alguém na vida’.

5%

(12)

Por conselho do professor para aprender

‘Sim, quando o professor fala pra eu estudar que sem estudar não aprendo, ele tá sempre preocupado com a gente’.

5%

9%

(13)

Sim pra aprender mais uso a internet

‘Sim, para saber mais e aprender coisas legais, olho na internet para ver mais daquela matéria, sempre tem coisas que o professor não falou’.

(13)

Sim, para aprender mais uso a internet

‘Sim, para saber mais e aprender coisas legais, olho na internet para ver mais daquela matéria’.

16%

7%

(14)

Sim, às vezes não tem tempo

‘Sim, eu estudo às vezes, eu não tenho muito tempo e de vez em quando eu estudo, preciso ajudar lá em casa’.

(14a)

Quando tem prova e toda vez que não entendo

‘Quando tem prova e toda vez que não entendo eu estudo em casa, perto das provas eu vejo todas as matérias que já fiz, o caderno e tem uns livros que pode levar para casa, eu gosto de estudar, mas só um pouco’.

19%

8%

(15)

Só quando têm provas para lembrar

‘Eu estudo quando têm provas ou avaliações, é bom lembrar as coisas que a professora passou, sempre tem muita coisa para ver’.

(15a)

Estudo uma semana antes de provas ou trabalhos

‘Quando tem prova ou quando tem algum trabalho eu estudo, eu já fico me preparando uma semana antes vou estudando, para chegar no dia da prova já lembro o que estudei e faço a prova e para tirar nota boa’.

14%

12%

(16)

Não porque não quero sem esperança

‘Eu não estudo, porque não quero, é chato, não vai adiantar nada mesmo, nunca vi isso levar a algum lugar’.

(16a)

Nunca, nem antes das provas, fico na internet

‘Eu não vou mentir, nunca, nem antes das provas, às vezes eu falo: eu tenho que estudar, mas na hora eu não resisto, ponho nos meus sites lá, no Facebook, no Twitter aí não aguento, e tem vez que minha mãe fala que tem prova, então tem que estudar e eu não estudo’.

8%

22%

(17)

Sim

Não pudemos obter um discurso devido à resposta monossilábica.

(17a)

Não, nem quando tem prova, vou bem porque lembro

‘Não, nem quando vai ter prova, vou bem só porque eu me lembro das matérias que o professor passou, porque a maioria é sobre o que ele passou’.

14%

22%

(18)

Não

Não pudemos obter um discurso devido à resposta monossilábica.

19%


Fonte: Elaborado pelos autores.

 

     Vemos que em 2012 a opinião dos pais e professores parece influenciar mais os alunos do que no ano anterior. No primeiro momento, um terço dos alunos respondeu à pergunta de forma monossilábica (sim/não), o que não ocorreu no segundo momento: fazem questão de expressar suas ideias sobre o tema. Vale destacar que, no segundo momento, todos os estudantes responderam às três questões desta pesquisa, revelando não só maior interesse em colaborar, também a necessidade de expor suas ideias; se assim não fosse, teriam se omitido como antes.

     Os quadros apontam para algumas mudanças nas representações sociais desses educandos quando relacionadas com o conhecimento escolar formal; no entanto, será que essas mudanças discursivas foram acompanhadas nas atitudes efetivas do cotidiano escolar?

     Há o caso da mudança de comportamento do aluno João (aluno 6), da EMEF Jardim da Conquista. Segundo sua professora, passou de um menino “terrível”, “malcomportado”, para um aluno “bom” e “participante de projetos na escola”, inclusive sendo monitor. Conforme nos informou em entrevista após passado um ano das visitas, João continua o “bom aluno” que se tornou:

 

     Pesquisador: Você acha que esse projeto da USP mudou alguma coisa nos alunos?

Aluno 6: Eu acho que está mudando, acho que a gente está tendo um pouco mais de responsabilidade, mais interesse em aprender, porque o conhecimento é bom para nós, então a gente tem que se interessar um pouco mais para aprender, não aqui, mas também em casa buscar mais do que o professor ensina na sala de aula, isso eles falam todo dia, eles falam para gente estudar mais se interessar mais, que é sempre bom.

 

Pesquisador: Você acha que isso é geral? Não é sua opinião? Mais alunos estão mais comprometidos depois do projeto do que antes?

 

Aluno 6: Com certeza, eu estou, a maioria está, quem foi acho que está mais comprometido sim.

 

Pesquisador: E os alunos que não foram às visitas?

 

Aluno 6: Olha, mas os professores falam bastante, eles falam para a gente estudar, fazer lição; acho que os que não foram também, acho que estão melhor.

 

     Os professores relataram inúmeras situações relevantes. Ilustramos sua visão dessa experiência, que foi única em suas vidas até aquele momento. Todos se mostraram empolgados e ansiosos pela chance de tomar parte nas ações; mesmo os que não puderam visitar os espaços até aquele momento foram entrevistados. Nas palavras de Joseildo S. Silva, docente da EMEF:

 

E uma das partes que marcou bem para mim na USP foi na hora do bandejão, um deles falava assim: ‘vou chegar na escola e vou falar com o diretor Marcio para colocar bandejão na escola igual à USP. Para ser igual à USP’. Eles ficavam encantados com a diversidade de culturas que eles viram lá, japoneses, eles viram pessoas dos cabelos lisos, eles viam pessoas do cabelo de trancinhas. E eles perguntavam assim para mim: ‘eu pensava que gente feia tinha onde eu moro, mas aqui na USP também tem gente feia’.

 

Esse contato que aqui na comunidade deles eles não têm. O que eles têm aqui... com eles aqui, eles têm traficantes, eles têm alguns pontos de prostituição. O que eles presenciam bastante é o desrespeito e aquela fala que está constante no ouvido deles: ‘você não vai chegar a lugar nenhum’. O ensino público não vai te levar a lugar nenhum. Você vai para escola para quê? Eles estão passando uns dias diferentes. Eles agora estão sonhando. Acho isso muito importante. O ser humano consegue alguma coisa a partir do momento que começa a sonhar.

 

     O professor salienta que seus alunos se impressionaram com as diferenças culturais e étnicas e o contraste entre o desrespeito que vivenciam na comunidade em que moram e o que experimentaram na USP. Segundo o docente, os estudantes “passaram a sonhar”. Tal assertiva tem sua razão: o progresso humano sempre esteve associado ao sonho. Isso remete à grande expectativa acerca das modificações das representações sociais, se tais mudanças sejam para melhor, pois trata-se de um conjunto de valores, ideias e imagens que pertencem a um dado grupo e que o orientam nas tomadas de decisão e nas condutas dentro do grupo e na sua relação com outros grupos sociais. Se os alunos estão sonhando com elementos culturais que vislumbraram na universidade, isso pode ser um elemento que agregue valores ao ideário do grupo. Em vários relatos que colhemos, a USP como sonho a ser alcançado apareceu, e, embora não seja o objetivo desta pesquisa, é um fato que os sonhos têm grande força. Como afirma Bachelard (1990, p. 112): “Sabe querer quem sabe imaginar. À imaginação que ilumina a vontade se une uma vontade de imaginar, de viver o que se imagina”.

     Queremos ressaltar o depoimento da professora Gabriela Oliveira, em entrevista no mês de agosto de 2011:

 

Então, claro que não foi uma mudança radical, não foi suprema. Mas sim, eu percebo sim uma mudança principalmente no comprometimento deles com relação à minha matéria. Com relação ao outro. Não sei... o respeito. Os maiores; sim. Eu percebo uma mudança, eu percebo que eles estão mais unidos, sabe que o passeio meio que uniu alguns grupinhos que estavam bem separados. Nos pequenos eu não vejo ainda uma mudança na postura em relação ao colega. Ainda um xinga o outro.

 

     Ela os percebia mais comprometidos e mais unidos depois das visitas, o que demanda entrosamento e respeito mútuo. São mudanças significativas, contribuindo para que o trabalho em sala de aula fique mais fácil de se realizar. Esse é um dado que aponta para uma nova postura diante dos fazeres na escola e para maior aceitação do conhecimento formal.

     Um ano depois, agosto de 2012, voltamos a entrevistar a professora Gabriela:

 

Pesquisador: Pensando nessa ação do projeto USP, se comparar o ano passado com esse ano, você percebe alguma diferença?

 

Professora: Eu percebo que eles estão mais unidos porque antes era uma coisa muito separada, por série: as quintas, as sextas, as sétimas e as oitavas. Hoje em dia não, eles estão mais unidos, mais misturados. Tenho um grupinho de um projeto aqui de manhã, eu tenho alunos de sextas, sétimas e oitavas, e eles se relacionam muito bem e, sabe, quando saímos se relacionam bem, não tem aquilo de um excluir o outro, porque ele é da oitava, sinto um certo respeito.

 

Pesquisador: E por que você acha que isso está ocorrendo?

 

Professora: É a convivência mesmo.

 

Pesquisador: E você acha que eles estão gostando mais da escola?

 

Professora: Ah! Sim, com certeza, porque você tem que mandá-los sair, sabe, acabou. O meu projeto, o horário de início é dez e meia e nove horas tem alunos aqui na escola, esperando e termina meio-dia. E eles ficam. ‘Não, professora, mais um pouquinho’. E se deixar eles ficam até uma e meia, sabe porque, porque é uma coisa divertida... aqui se tornou um espaço gostoso.

 

     O depoimento do referido ano nos mostra evolução em relação ao que a professora nos disse no ano anterior: ela já percebia os estudantes mais unidos, contudo, com os menores, ainda não via mudanças de comportamento. No depoimento de 2012, os alunos menores, que são os da 6ª série, relacionaram-se bem com o grupo, segundo a professora, a qual fala em respeito ao outro com menos reservas. Tudo isso corrobora o cenário de mudança de atitude que não é de um aluno, mas do grupo. Consequentemente, as suas representações sociais devem ter se alterado. Enfim, como sabemos, os DSC não são as representações sociais, mas nos dão pistas delas.

 

Conclusão

 

     São muitos os depoimentos que ressaltaram as qualidades das ações e das interações ocorridas durante as visitas, bem como foram significativas, seja na fala de professores ou de alunos. O deslumbramento que demonstraram após as visitas aos espaços de cultura e educação em ciência criou nos discentes do Jardim da Conquista o sonho de ingresso na USP. Os dados que acumulamos ao longo de um ano nos mostraram que esse sentimento permanece vivo em grande parte dos educandos, que estão trabalhando muito para alcançar o objetivo. Se vão ingressar na USP não é nossa questão, mas sim se sua relação com o conhecimento mudaria ao longo da participação no projeto “Vivendo a USP”, o que claramente ocorreu, conforme demonstram os depoimentos dos professores.

     As mudanças de atitude, que exemplificamos aqui como representativas, permearam todo este trabalho e, a nosso ver, confirmam mudanças nas representações sociais que esperamos acompanhar. Como afirma Moscovici (2003, p. 40),

 

Nós podemos afirmar que o que é importante é a natureza da mudança, através da qual as representações sociais se tornam capazes de influenciar o comportamento do indivíduo participante de uma coletividade. É dessa forma que elas são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa maneira que o próprio processo coletivo penetra, como o fator determinante, dentro do pensamento individual.

 

     O que o psicólogo romeno nos coloca é que a natureza da mudança influencia o comportamento do indivíduo. Assim, uma investigação interessante seria aquela que pudesse determinar como e por que ocorre a mudança e, com isso, saber mais a respeito da sua natureza.

     Sabemos que é difícil realizar essa investigação, visto que as representações são forjadas no cotidiano do grupo em todas as suas interações e com todas as influências externas; cada integrante do grupo escolar é parte de outros grupos fora da escola: família, amigos que moram no mesmo bairro, na igreja etc. Perceber suas mudanças com detalhes seria um grande desafio e que este trabalho não pôde realizar, também não era sua ambição. Queríamos, sim, acompanhar as representações sociais acerca do conhecimento escolar formal; para tanto, procuramos acessá-las mediante os DSC. Estes revelaram mudanças tanto quantitativas (pois observamos variações percentuais nos DSC que apareceram nas duas etapas do trabalho) quanto qualitativas, pois o material discursivo colhido a partir das entrevistas é mais rico em significados. Os alunos passaram a se expressar melhor, não se escondendo atrás de um discurso padronizado de quem repete sem comprometimento com a questão. Vimos estudantes mais interessados na discussão dos temas e em contribuir com este trabalho.

     Não afirmamos que os discentes têm suas representações sociais em mudança apenas por terem visitado a USP, pois trata-se de algo que envolve todos os atores envolvidos na vida desses alunos. Podemos afirmar, entretanto, que a imersão nos espaços de cultura foi um importante elemento desencadeador dos processos de mudança nas representações sociais, que continuam a ocorrer até o momento.

 

Referências

 

BACHELARD, G. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

 

LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A. M. C. O sujeito coletivo que Interface Comunicação, Saúde, Educação, v. 10, n. 20, p. 517-524, jul. 2006.

 

MOSCOVICI, S. A representação social da 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

 

MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em Psicologia Social. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

 

SIMIONI, A.; LEFEVRE, F.; PEREIRA, I. B. Metodologia qualitativa nas pesquisas em saúde coletiva: considerações teóricas e instrumentais. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1997.